Diário da Bahia, 24 de novembro de 1940, domingo, p. 2
“SI QUER PRENDER SEU MARIDO”
I – Faça de sua casa um recanto alegre, florido e sempre tranquilo.
II – Esteja sempre em casa quando êle voltar do trabalho.
III – Receba-o sempre alegre, mesmo que chegue tarde, prestando muito serviço no escritório ou uma reunião com amigos.
IV – Não reviste nunca seus bolsos, nem abra sua correspondência privada.
V – Não gaste mais do que êle ganha.
VI – Tenha sempre uma mesa boa, escolhendo seus pratos prediletos e evitando os que não lhe agradem.
VII – Não mantenha amisade que lhe desagrade e não fale mal das suas.
VIII – Não se mostre nunca desconfiada de sua fidelidade.
IX – Afaste os seus parentes e receba os de seu marido com a máxima cordialidade.
X – Cuide bem de sua roupa, não deixando que nada lhe falte.
XI – Não discuta com ele. A razão está sempre de seu lado.
XII – Não se mostre demasiadamente culta e inteligente. Aos homens desagradam as mulheres que lhes sejam de nível intelectual superior.
XIII – Seja discreta no vestir e nas maneiras, quando sair.
XIV – Resolva sozinha os pequenos problemas domésticos, mas não deixe de consulta-lo nas questões pessoais e nos problemas mais sérios: ele deve se sentir o senhor absoluto do lar.
XV – Enfim, releve todos os seus defeitos, faça sobressaírem suas qualidades e adapte-se a todos os seus gostos, mostrando-se a companheira em tudo, mesmo que suas preferências não coincidam.
Só assim você será feliz.
Esse artigo de jornal da década de 1940 ilustra muito bem a representação de esposa ideal da sociedade da época. Essa mesma representação parece ter se atualizado e vem alimentado a expectativa de comportamento adequado às mulheres nos espaços de poder. Num evento ocorrido hoje, em que duas mulheres, uma negra e uma branca, disputavam um cargo público, nos pareceres emitidos por três das nove pessoas que julgaram os méritos das candidatas ao cargo, referências como as trazidas pelo texto acima puderam ser nitidamente percebidas, com um componente que fez toda a diferença: o direcionamento dessas expectativas sobre nós, mulheres negras.
O estranhamento provocado por mulheres negras que fogem ao que vem sendo socialmente prescrito a nós provoca reações das mais estapafúrdias, como querer que um comportamento assertivo, proativo, seja entendido como “arrogante”, “soberbo”. A mesma desqualificação e distorção que promovem ao representar ativistas negros como violentos e fechados ao diálogo, como se, sob a pressão cotidiana que o racismo nos submete, tivéssemos que responder sempre de modo gentil e cordial para não ferir suscetibilidades.
Sob o fogo cruzado do extermínio, que ceifa a vida de nossos jovens, devemos responder com alegria, servindo à mesa do opressor apenas os seus pratos prediletos. Sob a violência que mata silenciosamente ou ostensivamente mulheres negras, devemos manter uma postura que não desagrade, nem difame quem nos oprime. Temos que confiar em sua lealdade, mesmo quando somos sucessivamente preteridas nas situações em que apenas o “mérito” é considerado. Suportar impassíveis os sucessivos erros cometidos pelos homens brancos que há séculos estão no poder e fingirmos não saber que temos alternativas. Temos que nos manter apartadas e assumir uma postura infantilizada, pois não podemos ousar ameaçar quem nos oprime.
É, senhoras e senhores, essa é uma roupa que não nos cabe e nunca nos coube, pois fomos historicamente forjadas nas ruas, lutando pela sobrevivência, tecendo alianças e negociando, sem esquecer que nunca estamos sós. Afinal, forças visíveis e invisíveis nos acompanham, nos mantêm de pé e fazem da nossa felicidade uma felicidade guerreira!
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