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sábado, 29 de julho de 2017

Eu marcho, tu marchas, elas marcham. Por que marchamos? (Zelinda Barros)


Nós, mulheres negras, historicamente familiarizadas à rua como um espaço de trabalho e luta pela sobrevivência, no contexto contemporâneo de luta pela afirmação de direitos, temos ocupado esse espaço como forma de denunciar violações e afirmar nossa humanidade. As marchas são estratégias de ocupação coletiva da rua com intenções expressamente políticas. São momentos de luta pelo reconhecimento da dignidade de mulheres e homens negros, sejam elas/es conscientes ou ignorantes quanto à importância da organização coletiva para o enfrentamento do racismo, do sexismo, da homofobia e de tudo o que nos oprime. Além do enfrentamento à violência, que incide sobre nós e os nossos das mais variadas formas, o empoderamento por meio da estética tem sido uma das pautas que contribuem para pavimentação desse caminho político traçado há séculos.

Os passos daquelas e daqueles que nos antecederam fortalecem a nossa caminhada, nos fornecem pistas dos caminhos que devemos trilhar. Esses passos reverberam o passo calmo das nossas avós, o passo ligeiro dos quilombolas em fuga e o passo altivo das/os nossas/os lideranças, mas, sobretudo, traduzem luta, inventividade e resistência. Nesse sentido, quem marcha nunca marcha sozinha/o, leva consigo o bastão forjado nas lutas passadas, que revigora e renova os horizontes que seguirão orientando a nossa caminhada em busca de paz para existirmos.

Nas narrativas sobre nós, negras/os, é muito comum a ênfase ao que o racismo destruiu e destrói - o que é compreensível, dado o seu potencial devastador. No entanto, é preciso que, sem ingenuamente pensarmos que não falarmos sobre ele dará conta do problema, marchemos também para celebrar o que construímos coletivamente, apesar do racismo. Como negras/os, não podemos nos dar ao luxo de pensar, seguindo o teorema de William Thomas (teórico interacionista simbólico), que apenas por definirmos uma situação como real, ela será real em suas consequências, pois pesa sobre nós o fardo do racismo, que nos atinge sem que com ele tenhamos qualquer sintonia ou intenção vivificadora.

É preciso seguir e nos mantermos de pé, revelando e renovando os conhecimentos produzidos por nossos antepassados e, principalmente, buscando facilitar a criação de possibilidades para que os/as nossos/as jovens desenvolvam suas potencialidades e consigam driblar a morte planejada no conforto dos lares abastados e nos bastidores institucionais.

Devemos nos lembrar dos exemplos de luta, recuperar estratégias coletivas de resistência que possam nos manter firmes e não nos fazerem sucumbir. Para isso, precisamos manter nosso amor próprio, cuja permanência requer o amor pela outra pessoa negra também destituída de amor. Com isso, debelaremos uma estratégia de dominação típica de contextos como o Brasil, onde a dominação colonial se perpetua na colonialidade do poder, que controla e inibe os vínculos e os afetos que fazem nascer o sentimento de pertencimento.

Marchamos porque resistimos!
Marchamos porque existimos!

Texto originalmente publicado nos Cadernos Sisterhood, v. 2, n. 1, maio 2017, p. 23-24. 

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